sábado, 24 de novembro de 2012

Como água no deserto.


por: Ronaldo Lidório
O deserto é possivelmente uma das mais claras representações da ausência de vida e esperança. Beduínos e Tuaregues - povos do deserto - desenvolveram milenares técnicas de sobrevivência para resistirem à angustiante mistura de sol, calor e areia. Anos atrás, atravessei a parte ocidental do Saara e, apesar de estar acostumado com as temperaturas tropicais, nada me preparou para os 54 graus à sombra durante aquelas tardes. Lembro-me que o pensamento mais obsessivo e recorrente era simplesmente água, o elemento mais desejado em terras áridas.
Davi escreveu o Salmo 63 no deserto de Judá, enquanto fugia de Saul. Encontrava-se em um dos momentos mais constrangedores de sua vida. Além de estar no deserto, tomado pelo desconforto e temores natos ao ambiente, seu povo e rei o perseguiam.
Contrariando a natural tendência do descontentamento de coração perante as caminhadas desérticas, Davi revela, ali mesmo na areia, que a sua alma tinha “sede de Deus”. Este parece ter sido o pensamento mais paradoxal que passou pela mente do salmista: a sede de Deus era maior que a sede de água. A busca pela presença de Deus era mais forte que qualquer outra carência humana.
Quando em caminhadas solitárias e perseguidos pelos que antes eram mais chegados que irmãos, devemos nos conscientizar desta verdade transformadora: precisamos mais de Deus em nossas vidas do que água no deserto. C.S. Lewis nos diz que “o amor é o princípio da existência, e seu único fim”. Com isto nos incita a pensar que o amor não é apenas o meio, mas também o propósito final. Somos convidados, em toda a caminhada cristã, a andar de forma paradoxal em expressões de amor: perder a vida para ganhá-la; oferecer a outra face a quem nos fere; esperar contra a esperança; amar, e não odiar, os inimigos; perdoar, mesmo perante óbvias razões para a amargura; desejar mais a Deus do que a água, mesmo quando se vagueia, foragido, por entre terras mais secas.
É nessa caminhada que encontramos descanso verdadeiro. Davi não apenas fala da possibilidade de descanso em Deus, mas o experimenta. Os principais verbos nos versos 6 a 8 estão no presente. Davi se lembra, pensa e canta o descanso em Deus enquanto caminha - não apenas o planeja fazê-lo amanhã. Reconhecer que a presença de Deus é melhor que a vida parece ser o exercício mais transformador – de mente, coração e visão de mundo - que qualquer pessoa possa experimentar.
Somos amados por Deus e esse fato deveria definir a forma pela qual vemos a vida e o mundo ao nosso redor. Ser amado por Deus é entender que somos convidados a um relacionamento eterno, é perceber que estamos em lugar seguro e saber que não há nada melhor.
A construção desta canção do deserto revela a alma de Davi. No verso 1, ele expressa que tinha sede de Deus. Nos versos 2 a 5, ele louva a Deus pelo Seu amor que é melhor que sua própria existência. Nos versos 6 a 8, Davi descansa no Senhor e, finalmente, nos versos 9 a 11, ele declara sua confiança na vitória sobre os inimigos.
Encontro-me rotineiramente com pessoas as quais, à semelhança de Davi, experimentam a solidão do deserto, o constrangimento da fuga e a incerteza dos que não sabem para onde vão. A vida, nesses momentos, torna-se mais lenta, opaca e pesada. Porém, justamente em ocasiões assim, a presença de Deus nos convida a crer um pouco mais e nos encoraja a continuar caminhando. Em um relance olhamos para trás e percebemos que no passado o Senhor foi fiel, mesmo no dia mais escuro. Amanhã não será diferente. A presença de Deus sempre traz à memória o que pode nos dar esperança.
Lutero, citado por Mahaney em seu livro “Glory do Glory”, diz-nos que: “esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas”.

Que o Senhor se mostre presente em nossas vidas. Nestes dias o deserto se tornará lugar de alegria e descanso.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Competência e Eficácia




Relação entre conhecimento e prática na missão
por: Ronaldo Lidório

Observando o universo cristão sob o ângulo da nossa missão - sermos sal da terra e luz do mundo - percebemos claramente a necessidade de equilíbrio entre competência e eficácia.

Competência é a capacidade adquirida em alguma área. Isto é, capacidade para aprender uma língua, estudar uma cultura, liderar uma equipe, evangelizar um grupo, coordenar um projeto social ou plantar uma igreja. Não é a ação em si, mas a aptidão de agir. A competência é reconhecida pelos que estão ao redor, produz segurança e transmite credibilidade.

Já a Eficácia é a capacidade transformada em ação. Enquanto a competência está enraizada na capacidade, a eficácia é demonstrada na realização. Ela está presente, especialmente, em processos mais objetivos, proativos e simplificados. Podemos pensar que “competente” é quem sabe o que está fazendo e “eficaz” é aquele que dá conta do recado.

Há também quem diga que a distância entre a competência e a eficácia é a mesma entre o engenheiro e o construtor. Precisamos de ambas, ou melhor, de um equilíbrio entre as duas forças. A competência nos direciona à aptidão para um trabalho sério, bem embasado e com conhecimento de causa. A eficácia nos leva para a reta final, para a produção, ajuda-nos na objetividade e na manutenção do foco de nosso trabalho.

Observando a caminhada da Igreja brasileira - e sua relação com a missão - causa-me temor perceber os dois extremos, igualmente danosos. Competência sem eficácia gera especialistas, mestres e doutores das áreas de conhecimento da missão, porém sem iniciativas aplicadas aos que sofrem, desconhecem o Evangelho ou necessitam de pastoreio. Eficácia sem competência gera ações pragmáticas, desmedidas e, mesmo, antibíblicas, que mais espalham do que juntam.

Destino estas próximas linhas àqueles que se encontram na segunda categoria - competência sem eficácia -, por entender que é um perigo mais iminente em nossos círculos. Enquanto valorizamos de forma exclusivista o conhecimento e as respostas em detrimento das relações e iniciativas, corremos o risco de nos perder nas questões “de meio”. O perigo é chegarmos ao final de uma temporada com muito conhecimento, mas pouca aplicação. Muita compreensão, mas pouca produção. Com mais competência que eficácia.

É rotineiro observar que assuntos de menor importância (ou pouco associados ao nosso alvo maior) ganhem o centro do palco de nosso dia a dia, o que pode nos levar à frustração de vida e ministério em algum ponto.

Devemos sempre relembrar a pergunta chave: qual o presente objetivo de minha vida e ministério? A resposta deve nos conduzir de volta ao essencial. Paulo entendia que a finalidade da igreja era a glória de Deus e a sua prioridade era proclamar Cristo onde não havia sido anunciado. Estes são os grandes alvos. Ao longo da estrada estes alvos maiores se traduzem em objetivos temporários como o testemunho na família, o discipulado de um irmão, a colaboração no orfanato, a ajuda ao que está caído ao longo do caminho ou a busca por uma vida mais santa.

Neste caso é importante que nos perguntemos se as práticas associadas a estes objetivos estão no centro do palco da nossa vida. E para saber localizar o assunto no palco você pode seguir esta pista: o que consome o seu tempo, energia e dinheiro é o que está no centro do palco.

Gosto de observar missionários. Ouvi-los contando suas histórias e ver como agem nos campos. Há algum tempo, tivemos a oportunidade de trabalhar com aproximadamente 30 missionários que atuam em áreas desafiadoras do norte da Índia. Não tenho dúvida: os que conseguem equilibrar a competência e eficácia completam a carreira olhando com mais alegria para trás. Esses aproveitam a oportunidade para conhecer as estratégias, técnicas, política, língua, cultura e vida em equipe, mas ao mesmo tempo não se deixam amarrar com as questões “de meio”. Correm para a realização dos objetivos prioritários. Os que não equilibram tendem a se frustrar, seja por conhecimento sem prática ou prática sem conhecimento.

É preciso simplificar nossos pensamentos e dias para caminharmos bem, tendo em mente, de forma clara, qual o presente objetivo do Senhor para cada um de nós, na estrada que trilhamos. Pensemos em uma pequena equipe que chegou a Nova Deli para trabalhar com crianças dalit. Se pela manhã estudam a estratégia para o trabalho com as crianças abandonadas, preparam o material e conduzem o treinamento necessário, e pela tarde e noite estão nas ruas conversando com essas crianças e conduzindo-as a um abrigo - e a Jesus -, está clara e abençoada conciliação entre competência e eficácia. É simples assim.

Que o Senhor nos ajude a equilibrar sempre a balança em nossas vidas e nos livre de correr atrás do vento. Coloquemos no centro do palco aquilo que, para o Senhor, é mais valioso.

fonte: http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=156&Itemid=26

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Conselhos para um missionário


por: Ronaldo Lidório

Algumas semanas atrás a revista POVOS pediu que eu escrevesse 10 conselhos aos missionários. Partilho abaixo, por entender que se aplicam a todos os que servem a Deus.

1. Cuide de sua vida com Deus. Cuide bem de sua vida pessoal, especialmente de sua vida com Deus. Não negocie os momentos devocionais diários, mesmo debaixo das pressões do campo
 e do ministério.

2. Priorize a família. Não é segredo que a família é a instituição mais atacada em nossos dias. Priorizá-la tem sido uma ordem amplamente repetida, porém pouco praticada. De forma simples, priorizar a família é dedicar tempo e atenção à mesma.

3. Tenha um modelo de descanso. Normalmente a agenda missionária não é linear, portanto, poucos conseguem desenvolver uma rotina semanal. Se retirar um dia de descanso por semana não é um modelo viável em seu caso, use outros. O modelo de Cristo era de se engajar intensamente com o ministério e depois desengajar por um tempo para se refazer. É necessário ter um modelo de descanso.

4. Mantenha relacionamentos saudáveis. O relacionamento é possivelmente a melhor ferramenta de trabalho no universo missionário. Não se envolva com conflitos desnecessários e tenha em mente que manter um bom relacionamento com sua equipe e com o grupo-alvo determinará, em boa medida, o rumo do seu ministério.

5. Siga sua visão e chamado. Envolver-se com tudo é a melhor receita para nada concluir. Tenha uma visão clara e um ministério definido. Projete o que você, de acordo com sua visão e chamado, gostaria de ver concluído em 5 ou 10 anos.

6. Organize-se. Tenha um projeto ministerial bem definido e, preferencialmente, por escrito. Tenha clareza de alvos, estratégias e atividades. Liste as atividades em sua agenda, separando-as por mês e por semana. Faça listas diárias - se for de ajuda - e revise, sempre, a relação do que precisa ser feito.

7. Administre as críticas. A única forma de não ser criticado é nada fazer. Portanto, saber administrá-las é essencial para o missionário. Algumas dicas: (a) Não a jogue fora. Mesmo a que é formulada ou comunicada carnalmente pode conter uma verdade sobre a sua vida; (b) Não durma com a crítica. Após avaliá-la perante o Senhor, use o que for proveitoso e se desfaça dela. A crítica guardada por períodos prolongados desenvolve a capacidade de gerar profunda ansiedade na alma; (c) Não se torne um crítico. As pessoas mais críticas que conheço foram muito criticadas no passado.

8. Não faça de sua casa um lugar de refúgio. Aprender uma língua e uma cultura, plantar uma igreja ou desenvolver um projeto social, requer relacionamento com o povo local. Gaste mais tempo com o povo do que com sua equipe. Limite o tempo no computador e tenha uma rotina diária fora de casa.

9. Trabalhe enquanto é dia. Missionários tendem a deixar seus campos sem aviso prévio. As causas vão desde enfermidades, vistos, educação dos filhos, até outros fatores imprevisíveis. O tempo que você tem no lugar que Deus o colocou é, portanto, preciosíssimo. Use-o com sabedoria e intensidade.

10. Mantenha seu coração ensinável. Sempre temos muito a aprender e, às vezes, com a pessoa mais improvável. Leia, converse, participe de cursos e encontros, reflita sobre o que vê e ouve. Um coração ensinável aprende mais de Deus e não comete duas vezes o mesmo erro.

fonte: http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=163&Itemid=26